09/12/2009

CARTA DOS LEITORES - O GLOBO 06/12 - (não publicada)


EXTRAVAGÂNCIAS NA ZONA PORTUÁRIA


A revista Veja, edição de 09/12/09, noticia acordo selado, há duas semanas, entre o Prefeito-viajante Eduardo Paes e a empresa de projetos internacionais de Santiago Calatrava, para um prédio na Zona Portuária, cuja função ainda é um mistério. Seria cômico se não fosse trágico, porque:
1 – O Brasil sempre esteve na vanguarda da arquitetura moderna, não necessitando o desbunde provinciano diante de “luminares” estrangeiros.
2 – Não há projeto algum, dos últimos que se pretendeu erguer no Rio de Janeiro, que não tivéssemos profissionais a altura para executar o serviço. E acresce notar que os arquitetos , no Rio, estão carentes de grandes projetos e os Prefeitos cariocas em périplos pelo mundo em busca de profissionais, o que nos leva ao seguinte:
3 – Prefeito Maia, Empresa Jean Nouvel, Museu Guggenheim: uma nota preta para Jean Nouvel fazer um estudo sobre a viabilidade dele mesmo fazer um projeto na Zona Portuária(dá pra imaginar, de antemão, o resultado do estudo, pois não?). E o projeto do tal Museu, que felizmente foi abortado.
Prefeito Maia, Empresa Portzamparc, Cidade da Música: já vimos no que deu aquele “peru num pires” urbanístico/arquitetônico e inviável economicamente diante da economia estagnada do Rio. Se fosse em São Paulo, talvez, mas paulista não é bobo, faz suas salas de concerto da maior qualidade e suas obras monumentais com a prata da casa. E funcionam.
Prefeito Paes, Empresa Calatrava, Prédio misterioso, na Zona Portuária.Que que é isso?
4 - Em qualquer lugar do mundo civilizado, por onde nossos políticos têm viajado e nada aprendido, obras deste porte são objeto de Concurso Público de Arquitetura, Nacional ou Internacional e no Brasil a lei assim o obriga; a lei, ora a lei!
5 - Agora, que o pagamento destas empresas, lá fora, facilita muita coisa, não há a menor dúvida. E, certamente , economizam às autoridades os gastos em cuecas e meias.

05/12/2009

CULTURA CARIOCA

SOBRE BOTECOS

Está no AURÉLIO :
Botequim: Estabelecimento comercial onde se servem bebidas em geral(bebidas alcoólicas, refrigerantes, café, etc.) e pequenos lanches; bar; boteco.
Aqui e agora :
Boteco: Pulsante local por onde a vida desfila.
Porque, está no AURÉLIO: Pulsante (Adjetivo), Pulsar (Verbo, do Latim Pulsare):

1. Movimentar por meio de impulso; impelir. 2. Por em movimento desordenado; agitar; abalar. 3. Tocar, ferir, tanger, dedilhar. 4. Perceber por certos indícios; sentir, pressentir. 5. Procurar saber a opinião de, sondar; consultar. 6. Repercutir, soando ou ressoando. 7. Ter pulsação, bater, palpitar, latejar. 8. Respirar a custo; ofegar, arquejar, anelar.
Então, Pulsar = Botequinar, pois o que daí não acontece em uma só noite, em qualquer boteco que se mereça? Então mais, uma estória de boteco:

CHARIVARI

Esta é uma estória que, já bem passados vários anos, ainda está presente no imaginário copacabanense. O que aconteceu certa noite, se não foi exatamente o que tem sido transmitido, foi muito perto, talvez até mais do que tem sido dito, porque as circunstâncias tornaram impossível a contabilidade correta dos deves e haveres, chopps e caipiras, batidas e tapas ; em todos os sentidos.
Era uma 6ª feira, à noite, o que quer dizer, para o fim de semana, fantasias, praia, bar, boate e futebol, cada qual na sua ordem preferencial.
Humberto Octávio havia chegado de São Paulo à noitinha, ligara para os amigos e já lá estava, refeito, banhado e perfumado, pronto para a primeira balada carioca. Balada, para o carioca, ofende mais o ouvido do que a palavra trabalho no sábado ou domingo, já lhe tinham dito. A mesa era de seis, o bar fervilhava desde há muito, “é hoje”, “tô sentindo no ar” ! O papo rolava solto, bem regado, descontraído, quando o paulistano vislumbrou, duas mesas adiante, um grupo de alegres mulheres, todas belas e fagueiras; modernas, falantes e gesticulantes, sem homem algum à mesa para lhes cortar o barato. Humberto Octávio pensou rápido: “Se alguma coisa tem ali em excesso, é falta de homem”. E, para sua surpresa, como uma faísca elétrica descarregada por seu pensar, percebeu, da morena mais exuberante, mais animada, uma piscada de olho, “sim, para mim, é a força do pensamento.” “Opa, quê que é isso, meu? Será que estou vendo bem ou é miragem? É antiquado mas promissor, sabe-se lá ?”
À sua volta, seus dois mais próximos, Joca, para quem opinião só existia de dois tipos: a certa e a dos outros, e Marcim, que tudo sabia, tanto que respondia, toda e qualquer pergunta antes mesmo do interlocutor conseguir completar a terceira palavra da questão. E foi para os dois que ele apelou, contando o percebido, ainda com uma ponta de dúvida.
“ Deixa ver, sô, se você não tá já bêbado”, e Marcim fez um ar de profunda concentração, franzindo a testa; Joca balançou a cabeça, um olhar de plena aprovação; nos ouvidos de Humberto Octávio, em segredo, se enfiaram “Vai nessa, cara”, “É isso mesmo”, “Ela não tira os olhos de você”, “Olha lá, piscou outra vez !”
“Puta sorte, meu!”, exclamou o paulistão, dirigindo um olhar sedutor para a mesa das meninas e arriscando uma piscadela, também. Correspondido. O mulherão piscou novamente, olhou para a cadeira ao lado, vazia, voltou-lhe a cabeça e piscou-lhe outra vez. “Putzgrila, melhor que isso só um chopps e duas pizza, no Bexiga, meu”, deve ter passado por sua cabeça, e, ato contínuo, levantou-se e foi em direção ao banheiro, e já que ela lhe indicara a cadeira, todos deviam ter visto, pelo menos o Joca vira, Humberto Octávio, na volta, parou, sussurrou alguma coisa no ouvido dela e fez menção de sentar-se, o que de fato não chegou a ocorrer, porque o que se ouviu foi o estalar de um tapa só, em plena bochecha. Dele. Silêncio geral, incrível, mas o silêncio se instalou instantaneamente.
Todos acham que faltou classe, jogo de cintura para o paulista baladeiro ; em vez de um dito espirituoso, uma tirada elegante ou, mesmo, uma retirada estratégica, com um ar superior Humberto Octávio mandou uma bolacha na menina, o que fez com que ela caísse, com cadeira e tudo, dando início ao maior charivari que se tem notícia por aquelas bandas.
Sobre o como e porque ocorreu o que se seguiu então, até hoje os botequineiros freudianos discordam dos lacanianos, de modo inconciliável, porque, para espanto geral, aquele sacrossanto espaço de debates e etilismo estilístico transformou-se num campo de batalhas. Todos se envolveram numa briga generalizada, até hoje não explicada pelos junguianos coletivos nem por qualquer outra tribo menos conhecida; os contendores se dicotomizaram : os homens contra as mulheres, sem distinção de raça, cor ou credo, cadeira, guarda-chuva, bolsa ou celular.
Os garçons, neutros – todos eram seus clientes preferidos -, agachavam-se atrás do balcão; a caixa e seu Manoel da Gamboa, o rotundo proprietário, fecharam a gaveta da féria e correram para fora, à procura de uma autoridade; um homem de terno preto, que ia passando – um segurança, pelo traje -, entrou na refrega, distribuindo tapas e pernadas, e não conseguindo aplacar os ânimos, logo escafedeu-se, sem dizer ao que viera – consta que foi ele quem deu sumiço em várias carteiras e celulares que os clientes deram por falta quando as coisas entraram nos eixos. Parece, pelo testemunhos dos vizinhos, que, aquele, nem segurança era, vinha passando e não perdeu a chance de um ganho extra.
Mais por exaustão que por resultado reconhecido do arranca-rabo, afinal sem uma causa por defender, a exaltação e histeria arrefeceram; os próprios iam arrumando o que haviam derrubado, sentando-se uns, ajudando-se outros, pedindo novos chopps, o que era próprio para momentos de paz entre os homens de boa vontade, olhando em volta, fazendo um reconhecimento e levantamento do Austerlitz copacabanense. Entre as que retocavam a maquiagem, alguns recompunham a estampa, muitos sorrindo, sem graça, uns poucos, com vergonha, o popular don Ramon, sentado no chão, encostado à parede, camisa aberta, já sem botões, arfava, com a protuberância ventral à mostra e a peruca acaju caída sobre a testa ; sua mulata preferida daquela noite, procurava levantá-lo, o que não era fácil, já que também buscava descobrir onde fora parar seu outro pé de sapato, o que não quebrara o salto.
Numa mirada mais cuidadosa, se via Antonio Augusto, o advogado, de quatro, à procura de seus óculos fundo de garrafa; sem eles, já tinha cortes em três dedos, mesmo com o auxílio amigo e solidário de recentes inimigos: Regininha, a loura, perguntava ao namorado, cabeludo e desgrenhado, em pleno esfrega de reconciliação, porque fora a briga, afinal; Dna. Carmencita, a inspetora do MEC, ainda revoltada, afirmava : “Tem gente que não se dá o respeito, nem em um momento sério! Passaram a mão na minha bunda, em plena refrega! Cadê ele, quero ver agora !”, desafiava, na esperança de não perder a chance de acabar o que tinha começado, não importa como,” nunca se sabe, pode ser dessa vez...”
Até que, finalmente, voltou à normalidade o ambiente, que exige e merece respeito. Um pouco mais agitado mas ainda dentro dos conformes. Seu Manoel, mesmo com alguns copos quebrados, acabou faturando mais que o normal, em chopps e pastéis, que ninguém é de ferro ! E, assim, os grandes problemas d’ontem, d’hoje e d’amanhã puderam voltar a ter suas soluções etilicamente encaminhadas. Voltou a sorrir a noite de Copacabana.
Somente em uma coisa houve consenso, quando dos retrospectos criteriosos no sábado e no domingo : fora muita molecagem não terem alertado o Humberto Octávio sobre o cacoete ocular de Virginia 42 – gente boa, líder da alegre mesa das moças alegres -, cujo epíteto fora obra do seu Manoel, em reunião de organização e métodos :
“Não quero discriminação no meu estabelecimento, nada de chamar de viado ou sapatão, não admito, ora pois! Vamos dar números aos clientes,fica mais fino.